sábado, 14 de agosto de 2010

Sapatolândia

por Gabriele Greggersen

Episódio I

Era uma vez um mundo de sapatos. Todos os indivíduos andavam aos pares. E quem não tivesse par, por motivo de extravio, morte ou qualquer outra razão, era extraditado para a ilha solitária, cuja história contaremos em outra ocasião. Ele era todo dividido em diferentes setores. Havia o setor dos calçados de casa: pantufas, chinelos, sandálias tipo Rider; o dos sapatos sociais, para homens e mulheres era muito rico e variado. Esses não gostavam de se misturar com aqueles. E havia também o setor dos calçados esportivos: tênis, chuteiras, até pés de pato para mergulhadores, patins de todos os tipos e esquis para a neve se contava entre eles.

Certo dia, um par de sapatos bem comum, que ficava fora de qualquer outro grupo, por serem demasiado simples, andava pela rua, exclamando:

- Ó vida, ó azar... Que vida dura é essa a nossa! Acho que prefiro morrer, do que viver essa vida medíocre. Ninguém nos convida para nenhuma festa. Vivemos sempre esse lenga-lenga de ir e vir, tirar e por e nada de especial acontece.

O outro par confirmou:

- É isso mesmo! Concordo plenamente! Oh vida, oh azar, mesmo.
Então, eles quase trombaram com um par de chuteiras que disse:

- Ei, o que é isso que estão dizendo? Nós tb já quisemos pendurar as chuteiras antes, mas agora, percebemos que não adianta a gente ficar reclamando da vida e não fazer nada. É preciso “tocar a bola pra frente”, se quisermos fazer o gol. Pois, “quem não faz, leva”! Não pisem na bola, assim!

- É mesmo, pensando bem, acho que estamos muito de bola murcha. Precisamos sacudir a poeira e driblar essa deprê. Muito obrigada, donas chuteiras, pelo conselho!!!
Eles se despediram e continuaram sua caminhada, quando se depararam com outro par de sapatos. Dessa vez eram duas botas muito bonitas, de vaqueiro. Mas elas estavam muito murchinhas e deprimidas.

- Estou vendo uma nuvem negra na minha frente – disse uma.

- E eu acho que não presto para nada – disse outra.

- Vocês não deveriam pensar assim, lindas botas, pois vocês são muito bonitas e úteis também.

- Acontece que a gente não se sente nem útil, nem bonita – disseram ambas juntas, como se fosse um coro.

- Nós também já nos sentimos assim – disseram os sapatos comuns juntos também. – Acontece que encontramos uma chuteiras muito “pra frentex” no meio do caminho, que nos ajudaram a enxergar que a vida não é assim tão dura e que não podemos deixar a bola murchar.

- O caso de vocês – continuaram – é ainda mais sério, pois vocês correm o risco de literalmente “bater as botas”, se continuarem nessa lenga, lenga, que não leva a lugar nenhum.

- É mesmo – disse uma.

- Vocês têm toda a razão – disseram as outras – Deprê não ta com nada.

- Ta com nada, ta com nada – gritaram as quatro, como se fosse um grito de guerra.

Essa história ficou conhecida entre todos os sapatos comuns, chuteiras e botas e resolveram fazer uma grande festa.

Só que os outros sapatos, principalmente os sociais, ficaram inciumados. Então resolveram armar um ataque contra o grupo enquanto ainda estivesse fazendo a festa.

Acontece que eles eram muito populares e tinham vários amigos secretos entre os sapatos sociais. Então, eles chamaram os sapatos abandonados da ilha solitária para armarem uma barricada, todos empilhados, em torno deles. Quando os sapatos sociais atacaram, eles, todas as suas balas ricocheteavam contra os sapatos solitários, que eram mais duros do que chumbo, e vinham na direção deles. Então, eles resolveram se render, mas com uma condição: de que pudessem fazer parte da festa.

Então, todos resolveram fazer as pazes e fazer a festa juntos e tudo não acabou em pizza, mas num enorme churrasco e não era de carne tipo sola de sapato...

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