domingo, 24 de outubro de 2010

O Casamento Cinqüentenário: Registros despretensiosos de uma contadora de histórias

por Gabriele Greggersen

Era uma vez, um casal muito simpático de nomes Dorwe e Uwra (ou será que foi vice-versa?). Antes de eu começar a relatar alguns fragmentos desse matrimônio é preciso avisar a que vos narra é ainda novata no ramo, sendo considerada um tanto confusa por alguns, e não foi testemunha da grande maioria do que está relatado aqui. Então, qualquer semelhança a fatos ou pessoas reais, é mera coincidência?
Eles sempre foram muito queridos, por onde quer que passassem, deixando rastros encharcados de saudades pelo Brasil e pelo mundo. Mas de onde será que vem tanta simpatia e carisma? Quem sabe descubramos, relatando alguns acontecimentos bem marcantes e emocionantes da vida deles.
Bem, vamos começar como se deve, pelo começo: Quando Uwra e Dorwe nasceram, pasmem, eles eram bebês, e ainda por cima, recém nascidos! E como todo bebê recém-nascido, provavelmente eles choraram muito, mas com certeza não, no mesmo lugar e nem, pelos mesmos motivos.
Uwra nasceu na belíssima cidade portuária do norte da Alemanha de nome de sanduíche, como era mesmo no nome? Acho que era algo parecido com X-burger e Dorwe, na encantadora cidade de nome de um doce muito gostoso, como era mesmo? Acho que era algo como Doce Sonho.
Quanto ao choro, bem, Uwra deve ter chorado, por ter sido puxado por mãos masculinas do seu “berço” quentinho e confortável, onde a alimentação era garantida (ele nunca teve de sentir fome naquela época...). Já Dorwe, é mais provável que tenha chorado, porque se assustou com o mundo frio e rude em que estava adentrando e isso, sem cabelos para pentear, sem roupas adequadas para vestir, sem maquiagem e nem mesmo um espelho para dar aquela checada crítica, antes de sua primeira entrada triunfal no palco da vida (ainda bem...). Ou será que foi o inverso?
A próxima cena mostra como Dorwe foi morar com a mãe na cidade natal de Uwra, X-burger, pois elas tinham sido expulsas do ceio da família em plena guerra por causa do nascimento de Dorwe, que nunca conheceu o seu verdadeiro pai.
Quando a guerra chegou ao auge, ela foi separada da mãe por três longos anos, por ter sido enviada para um local mais seguro no interior da Alemanha, para morar com pessoas estranhas, que não a tratavam bem. Após a guerra, pode voltar, já mais velha, para os cuidados de sua mãe, que as sustentava costurando para os soldados ingleses que ainda ocupavam o país. Ao longo de toda vida de Dorwe, sua mãe passou por vários casamentos, todos eles muito difíceis e, como permanecia filha única, via-se muitas vezes só.
Enquanto isso, Uwra se viu numa grande família: ele era o filho mais velho, mas tinha duas irmãs mais velhas do que ele e um irmão mais novo, que também se tornou pastor, mas veio a falecer recentemente. Uma das irmãs havia tido uma meningite, pela qual perdeu a audição e com isso, a fala e também grande parte da visão. Ela teve que ser cuidada pelos pais por toda a sua vida, apesar de ter gozado de certa independência. Quando a guerra estourou, seu pai teve que ir ao front de batalha, onde, por ser cristão, preferiu trabalhar como responsável pela alimentação das tropas de sua unidade militar. Mas alguém tinha que cuidar da casa e da pequena loja de laticínios da família. É claro que sobrou para Uwra, que, desde moleque, gostava de velocidade, fazendo entregas com sua bicicleta de transporte “supersônica”, com a qual deve ter levado várias multas por excesso de velocidade e perigo à saúde pública.
Ou será que estou confundindo as coisas de novo? Não vem ao caso, já que isso aqui é para ser uma história despretensiosa. Só sei que num belo dia, quando o pai de Uwra retornou depois de alguns anos como prisioneiro de guerra na Rússia e os problemas de saúde deles decorrentes, a mãe de Dorwe, assídua freqüentadora da lojinha de laticínios, viu Uwra com suas fortes mãos e braços de carregar volumosos recipientes de leite e outros produtos pesados, encantou-se por ele e resolveu trazer sua filha junto com ela na próxima compra.
- Quem sabe não pinte um “clima” entre eles? – pensava ela desejosa.
Pois é, caro leitor, assim é a vida: o clima pintou desde a primeira troca de olhares, as bochechas coradas e alguns encontros para bailes de dança (Dorwe gostava muito de dançar, mas Uwra sabia só era enganar e pisar nos pé da pobre moça). Mas como ele era cristão e ela não, o namorico se desfez, porque Uwra achava pecado namorar uma garota pagã, por mais bela que fosse (e como era bela!!!), e ficaram longe um do outro por algum tempo. Ou será que foi o contrário, meu pai?
Até que um belo dia, Dorwe ouviu uma chamada pelo rádio convidando para um evento de evangelismo numa tenda perto dali e resolveu ir. E não ficou por aí: resolveu também aceitar esse Cristo, de quem Uwra lhe havia falado an passan, no seu coração e, como se não bastasse, também resolveu se tornar missionária: tudo ao mesmo tempo, como lhe era típico... Ou será que Uwra é que era assim? Sei lá!
O fato é que o reencontro aconteceu; muita conversa rolou; mas Uwra, nada de se declarar ou pegar na mão de Dorwe no escurinho das caminhadas daquela mais bela noite de todas as noites. Isso, até chegarem à soleira toda iluminada da porta do prédio de Dorwe. Foi então que Uwra pegou Dorwe nos braços e lhe meteu um beijo bem no meio da boca (acho que naquela época era mais um “selinho”, não havia ainda esse negócio de beijo de língua, mas deixo esses detalhes por conta da imaginação de cada um).
Para encurtar a história: começaram a namorar, a se profissionalizar, Uwra no comércio e depois no seminário e Dorwe no corte e costura, na enfermagem e depois, também no seminário. Pouco tempo depois decidiram se casar, depois de um ano separados por uma viagem de Dorwe para a Inglaterra, que deixou a saudade apertar.
E ambos, da sua forma peculiar e sobrenatural, começaram a sentir no coração um ardor e um desejo verde-amarelo pela terra do futebol, do carnaval, dos pelicanos, da Amazônia, das lindas praias e paisagens e das mulheres. Mas não foi nada disso que atraiu nenhum do dois para tomarem a decisão de partir para lá, logo após o casamento. Era algo maior: eles queriam contar aos brasileiros sobre Jesus, da mesma forma que eles ouviram essa história e se entregaram completamente a ele. Mesmo sem ter nunca ido ao Brasil ou conhecido nenhum brasileiro, eles sentiram uma paixão muito grande por aquele país e um desejo profundo de compartilhar com eles esse Cristo que já morava no coração deles.
Em resumo, algo irresistível os estava empurrando para aquelas terras longínquas, das quais quase nunca se ouvia notícia na Europa, e partiram rumo ao Brasil, na condição de missionários do movimento das Igrejas Evangélicas Livres. E no caminho, que foi pelo mar, já que era mais barato do que de avião, (essa provavelmente foi a sua primeira aventura, pois era um cargueiro comum e nenhum navio de luxo) Dorwe não ficou enjoada apenas pelo balançar das ondas, mas por o primogênito que também já estava a caminho.
Foi aí que a vida cinqüentenária do “casal vinte e uns” começou de fato. Tiveram muitas alegrias, choques, choros (de rir e de chorar), decepções, conversões, desespero, filhas birrentas, amizades, mudanças (de domicílio, comunidade e modos de pensar), igrejas, trabalho evangelístico, de aconselhamento, viagens nacionais e internacionais, ações culturais e sociais, que não caberiam aqui.
Vai ver que é por isso que até hoje, Ralia, o primogênito, também finalmente casado com Lilf, gosta tanto do mar. O amor era tanto que ele não só foi morar numa ilha que o encantou, como trouxe seus pais, já aposentados, para morar ali com ele. E lá construiu uma casa, casou-se (quem tem casa, quer casar – ou será o contrário?). Mas essa história vocês já conhecem, e tudo o que aconteceu nesse meio tempo: o casamento de Edugina e Regiardo (ou seria o contrário?); o nascimento de seus adoráveis filhos, Andreus e Matré, bem, vocês não vão querer que eu lhes escreva e leia um livro de vários volumes, não é mesmo?
Então, vamos à festa!!! Vivam os pombinhos e seus selinhos!!!