sábado, 14 de agosto de 2010

A caixa perdida

por Gabriele Greggersen

(Em homenagem aos meus queridos sobrinhos que ajudaram a contar essa emocionante história)

Era uma vez uma família muuuito grande – para os padrões de hoje pelo menos. Era um pai, uma mãe em cinco filhos, meninos. Era, portanto uma família de sete cabeças.
Eles moravam num casarão bem antigo (pois as muitas bocas para sustentar não permitiam ao pai, que era vendedor de máquinas de costura, comprar uma mais nova).

O que os fez optarem pela casa também era a proximidade da escola pública, em que todos os cinco podiam estudar, sem que o pai tivesse que gastar dinheiro com gasolina ou ônibus escolar para levá-los.

Era engraçado ver aquela escadinha de meninos entrando em fila na sala. Sim, porque era o único raro em que eles ficavam em ordem, pois de resto, eram muito espoletas e desordeiros. O mais novinho de todos, que também era o mais comportado, ou por uma questão de caráter, ou, muito mais provavelmente, devido ao controle dos demais irmãos, ainda ia ao berçário, pois tinha três anos de idade. Seu irmão mais próximo tinha quatro anos de idade; o seguinte, cinco; o próximo seis; e o mais velho, sete anos de idade, o único a já ter passado pelo vestibulinho para a primeira série.

Ele era considerado o mais inteligente e responsável de todos os meninos, mas na verdade, era só esforçado, pois não era fácil manter aqueles irmãos bagunceiros em ordem. E ele tinha que tomar conta frequentemente deles, pois a mãe trabalhava como costureira e não tinha muito tempo para lhes dar atenção.

Certo dia, uma coisa terrível, mas muito terrível mesmo aconteceu. A mãe não era de reclamar: da bagunça dos meninos, da sua falta de organização, das suas travessuras, do sumiço que davam nas coisas e da sujeira que faziam, deixando tudo para a mãe limpar entre uma costura e outra.

E quando a mãe tinha algo para eles fazerem, como varrer o quintal ou lavar a louça, por exemplo, era sempre assim: pedia primeiro ao de sete anos; o de sete comandava o de seis; o de seis ordenava ao de cinco; o de cinco mandava o de quatro e o de quatro obrigava o de três, que só tinha o cachorro e o gato a quem recorrer que nunca se mostravam especialmente solícitos ou a fins de ajudar.
Mas naquela tarde, ouviram um grito agudo:

- Aaaaiiiiiiiii! Vocês podiam ter feito tudo, tudo mesmo, menos isso. Quem levou a minha caixa de costura? Eu costumo guarda-la a sete chaves de vocês desordeiros, mas hoje me distraí um pouco e ela desapareceu!!! Quem foi?? Quero uma resposta, já!!!

Todos os cinco irmãos se entreolharam estupefatos e sem saber o que dizer.
O de três anos olhou para cima, bem nos olhos do de quatro, que sacudiu a cabeça e olhou para cima, bem nos olhos do de cinco; que sacudiu a cabeça e olhou para cima, bem nos olhos do de seis; que, por sua vez, sacudiu a cabeça e olhou para cima, bem nos olhos do de sete; que desviou o olhar e ficou vermelho feito pimentão.

- Ppor qqque eeestão me olhando desse jeito? Gaguejou. – não tenho nada a ver com isso!!!!

Depois de alguns instantes constrangedores de silêncio e olhares escandalizados fixos no irmão mais velho feito sanguessugas, ele admitiu, deixando cair a cabeça:

- Ta bom, eu me lembro vagamente de uma caixa que estava em cima do sofá da sala, bem no meio do meu campo de batalha contra os extraterrestres e estava só atrapalhando. Sim, porque se tratava de um caso de vida ou de morte: era eles ou eu e a caixa no meio do caminho. Então, eu dei um jeito nela.

Os olhares tornaram-se ainda mais escandalizados, quase caindo para fora de suas órbitas, e os queixos ficaram tão caídos que quase alcançavam o chão nesse momento.

-Mmmas não me perguntem onde foi parar, pois não me lembro! – exclamou quase gritando e pondo os braços na frente da cabeça como que querendo se defender de um linchamento.

Depois de mais alguns minutinhos de silêncio mais cortante do que uma faca afiada numa mortadela bem gorda, o mais novinho disse:

- Então é isso aí, galera!!! Vamos ao trabalho! – exclamou batendo nas mãos como um treinador de futebol americano. - Vamos organizar uma busca. Seguinte: eu vou sair com o tonto do meu irmão mais velho; o de quatro anos sairá com o de seis e o de cinco, que é o mais criativo e multifuncional de todos, sairá sozinho, cada um para um lado, procurando, procurando!

Todos se alvoroçaram e já estavam indo para a direção indicada pelo “líder” quando o mesmo exclamou:

- Pérai! Mais uma coisa: Mamãe está muito chateada conosco. Tão chateada que nem cozinha mais aquelas comidinhas maravilhosas para nós. E nós é que ficaremos chateados com isso logo, logo. Então, vamos aproveitar para fazer uma surpresinha para ela: enquanto procuramos, arrumamos todas as nossas bagunças.

- YES! – todos gritaram – só isso vai nos redimir diante da mamãe. Grande idéia, maninho!

E todos saíram, cada um para um lado, olhando em baixo do tapete, atrás do sofá e das cortinas, até que recolheram e organizaram todos os seus brinquedos nas suas gavetas respectivas.

Quando voltaram, reuniram-se num círculo e o mais novo disse:

- Temo ter que lhes dizer que nosso plano fracassou: vasculhamos tudo e nada! – a propósito, será que sabemos o que estamos procurando? Como era mesmo essa tal caixa mano mais velho?

- Bem, na verdade, na verdade, ela nem parecia uma caixa de costura e, sim, de ferramentas de eletricista. Minha sorte foi olhar lá dentro, temendo se tratar de uma armadilha malevolamente posta ali pelo inimigo, depois de encostar meu ouvido nela, como bom combatente é claro. Era muito provável que se tratasse de uma bomba, não é? Já pensaram?

Todos fizeram que sim com a cabeça até que um parou e gritou:

- Ei, eu vi um eletricista por aqui outro dia, não foi no mesmo em que o nosso manão espertalhão aqui deu chá de sumiço na caixa?

- É mesmo - disse o habilidoso de cinco anos. Eu até o ajudei a encontrar o problema na casa. E anotei o telefone dele para manter contato e aprender mais com ele. Vamos ligar e ver o que acontece.

Foi o que fizeram:

- O quê?! –berrou o eletricista do outro lado – Graças a Deus! Crianças espertas! E eu estava sem poder trabalhar esses dias todos, limitado que estava a um monte de agulhas e linhas e dedais! Louvado seja!

Depois de esclarecida toda a confusão da caixa desaparecida, até o comportamento dos meninos, transformados em heróis da noite para o dia, mudou. De desordeiros e arruaceiros desorganizados, eles se tornaram um pouco mais arrumadinhos, não tanto como os seus colegas de sala mais chatos, mas muito melhores do que antes. E a mamãe agradeceu.

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