sábado, 14 de agosto de 2010

O reverso do avesso

Em algum lugar do futuro, que não se sabe especificar, havia um planeta habitado por um povo muito parecido com os seres humanos, ao menos, no aspecto físico. Eles tinham braços, pernas, mãos e rostos muito semelhantes aos dos seres humanos normais. O mundo deles, chamado Odnum, era bem parecido com o nosso também. Moravam em casas e prédios, viviam e se multiplicavam em famílias nucleares.

Sua raça dominava os animais e plantas daquele planeta, que devia ter sido criado em algum momento da história por algum Deus parecido com o nosso ou por Ele mesmo. A diferença só ficava evidenciada, quando eles começavam a se movimentar. Ao invés de andar para frente, eles andavam para trás. E o pior é que eles o faziam com a maior naturalidade. Eles não eram como o curumim, que tem os pés virados para trás; nem eram como as corujas, que são capazes de girar a cabeça quase que trezentos e sessenta graus. Eles simplesmente não sabiam andar de outra forma que não para trás. Não vou dizer que isso não lhes causava nenhum constrangimento ou problemas. Mas como não tinham outra referência, encaravam tais problemas como nós encaramos as gripes ou problemas ergométricos causados pelo stress e má postura.

Então, imagine qual era a classe de profissionais mais rica daquela sociedade?

Acertou! A dos fisioterapeutas e ortopedistas, já que os habitantes daquele mundo viviam com torcicolo e com ossos quebrados ou trincados. Assim, eles viviam caindo em buracos, tropeçando nas coisas que vinham pela frente, ou melhor, por trás. Era um perigo sair nas ruas, sem ter plena certeza do que vinha pela frente, ou melhor, por trás.

Se, como pedestres já era um desastre, imaginem os odnumitas no trânsito. O espelho tinha que ser invertido, voltado para trás, para ter alguma utilidade, se é que tinha. Era engraçado observar o trânsito que não era invertido apenas nas mãos, como na Grã-Bretanha e no Japão, mas também na direção. Até os motoqueiros andavam para trás, expondo-se ao maior perigo de serem pegos por um carro ou caminhão.

Era um verdadeiro caos, uma vez que todos, até os pilotos profissionais andavam preferencialmente na marcha ré. Também viviam se acidentando das mais incríveis e trágicas maneiras,

Não sei muito bem como fui parar lá, mas coisas assim acontecem de vez em quando comigo, de modos tão surpreendentes, que jamais teria sido capaz de imaginar. E nas horas menos esperadas. Acho que eu estava fazendo exercícios físicos, observando aqueles corpos “sarados” ao meu redor. Fiquei pensando, pra quê tudo aquilo, se uma infelicidade profunda estava estampada na cara deles? Acho que foi esse pensamento que me transportou para aquele estranho mundo. Assim que aquela idéia me passou pela mente, fui como que tragada pelos orifícios do ar condicionado da sala de ginástica e fui parar em odnum.

Chegando lá, fiquei muito surpresa, já perto do fim do dia, quando constatei que eles não invertiam apenas a forma de andar, mas também a forma de dormir. Ao invés de se deitarem na horizontal, tinham camas pregadas na parede e agrilhões impediam que eles deslizassem ou caíssem no chão. Em suma, dormiam em pé como os cavalos e alguns bois.

Também a forma de organizar o cotidiano era invertida. Achavam que rendiam melhor depois dos sóis (havía mais de um) terem se posto. Ou seja, dormiam durante o dia, com complexos aparelhos para escurecer os seus quartos, e trabalhavam à noite. Se eles não percebiam o gasto redobrado de energia que isso causava? Não sei, não tive chance de os perguntar a respeito. Mas tudo indica que não se importavam.

Quanto mais eu vivia ali, mais convencida ficava de que as coisas andavam às avessas por lá. Por exemplo: Os pais eram instruídos a obedecer os filhos. Os alunos ensinavam os professores. Os bandidos eram exaltados e os mocinhos, jogados na lama.

Mas a cena mais engraçada que presenciei foi a de um júri popular. Para abrir a sessão, o juiz perguntou:

- O que esse teu aprontou dessa vez?

- Meritíssimo, esse indivíduo aqui atrás do Senhor é acusado de ter praticado boas obras! Imagine só que ousadia!

- Ah, mas isso é café pequeno. Nada que dois anos de reclusão não resolva. Quem sabe seus coleguinhas ex-bonzinhos de cadeia não o ajudem a se reabilitar para o mau?

- Mas tem mais, seu juíz, ele resolveu não apenas ser bom, cuidando de velhinhas e crianças abandonadas da rua, revertendo a ordem das coisas como elas devem ser, como também anda ensinando a classe subalterna a ler e escrever, veja só que escândalo!!! No que isso vai parar, meu Deus! Ops, falei a palavra proibida, me perdoe...

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