sábado, 14 de agosto de 2010

A palavra cruzada

por Gabriele Greggersen

Essa é a história da palavra cruzada. Na verdade, trata-se de uma brincadeira, ainda que com fundo sério. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. A palavra não é conhecida de ninguém, a não ser, da inventora da história. Mas ela não quer brincar de esconde-esconde com, você, leitor, pelo contrário, quer convidá-lo para participar da mesma, descobrindo a tal. Então a sua história ficou repleta de pistas para a mesma, mas de uma maneira, que quem faz uma leitura rasa, acha a história meramente interessante e esquece a palavra. Só quem sabe ler nas entrelinhas é capaz de descobri-la. Trata-se de uma espécie de palavra cruzada narrada, mas de uma palavra só.

Então, a primeira dica sobre a palavra é que ela é algo que todos já experimentaram ou estão experimentando e certamente experimentarão algum dia. Ela também já serviu de inspiração para poetas, músicos e toda espécie de artistas, mas também é bem popular entre a gente do povo. Portanto, ela tem seu lado bom e encantador. Mas pode crer que ela também fez muita lágrima rolar. E por falar nela – vamos tentar não falar muito, pois ela é muito, muito fácil de adivinhar, pois é companheira nossa de todo o dia. Umas horas a recalcamos, outras, nos damos conta dela, outras, mais ainda. Por isso existem mil e uma histórias sobre ela. Mas fique tranqüilo, pois vamos nos limitar a uma só, por hora.

Tudo começou, quando Aline se viu diante de um dilema. Ela havia fugido da casa de classe média alta aos doze anos, depois de uma briga com a mãe, que vivia com hematomas pelo corpo e olhos roxos graças ao pai que bebia e que ela sabia muito bem que batia nela, apesar de ela o saber esconder bem da vizinhança. Ela não gostava de ser enganada pelos pais e de ser filha de uma mulher covarde e um pai ainda mais.

Então ela resolveu ver o que mais havia para se ver no mundo. E já na primeira noite, parecia escrito nas estrelas, ela encontrou um grupo de ciganos circenses que a acolheram imediatamente, sem muitas perguntas, já que ela se mostrava muito ágil nas acrobacias, desde a primeira ensaiada. Ela também não teve dificuldade de aprender a leitura de mãos e os búzios. Parecia que Aline tinha a vida de cigana no sangue desde sempre. Então, toda aquela novidade de vida a fez esquecer praticamente de sua vida pregressa. Mas havia na comunidade circense uma senhora bem entrada de idade e muito sábia, que certa vez comentou com ela: “Você está decepcionada com os seus pais e encantada com a sua nova vida, mas virá o dia em que você sentirá falta deles. Então você os valorizará pelo que são”.

Dias se passaram e Aline se aprimorava visivelmente nas acrobacias e cartomancias. Parecia de fato ter nascido para aquilo tudo. E o que era melhor: sem necessidade de ir à escola. Ela também fez muitos amigos entre os filhos de ciganos, despertando ocasionalmente o ciúme de uma filha de sua mãe ou de uma namoradinha, pelo rapaz que não conseguia passar um dia sem se assegurar do seu bem-estar.

Depois de um mês e meio, entretanto, houve uma crise na comunidade: como sempre não tinham conseguido acordo com a prefeitura de nenhuma cidade pela qual passaram para passar uma temporada e não tinham para onde ir, e conseqüentemente, de onde tirar o seu sustento. Assim, havia bebedeira e discussões assoberbadas todas as noites, que geralmente acabavam em pancadaria. Então, Aline se lembrou das brigas em casa e pensou que pelo menos em casa a coisa ficava em família, sendo menos escandalosa.

Os dias foram se arrastando e as cenas se tornando mais e mais tristes, até que Aline tomou a decisão: voltaria para casa, sem se despedir de ninguém (detestava despedidas). O problema é que não tinha dinheiro nem sequer para tomar um ônibus. Então foi consultar a sábia e ela lhe disse:

- Aline, minha filha, finalmente você caiu na real. De fato você não tinha como ficar conosco. Você pode até se sentir cigana às vezes, mas não é. Você precisa da sua família e ela certamente está muito preocupada com o seu sumiço. Então tome, guardei um dinheirinho para esse dia. Vá e seja mais feliz do que os seus pais.

Aline pegou o dinheiro com um sorriso grato e deu um grande beijo na bochecha da velhinha e despediu-se com um abraço. Sem olhar para trás de novo, ela desapareceu na noite e chegou na frente da porta de casa na manhã seguinte. Quando ela tocou a campainha, sua mãe quase caiu de costas quando a viu. Ela achou que fosse um fantasma, pois já a considerava morta. Enquanto ela se recuperava do susto, seu pai apareceu por trás dela, de cara limpa e barba feita, perguntando: “Quem era, bemzinho?” Quando ele a viu, correu para cima dela e a jogou para o alto, agarrando-a nos braços.

- Onde foi que você se meteu esse tempo todo, sua levadinha? – perguntou carinhosamente.

- Ficamos tão preocupados com você que já não sabíamos mais o que fazer. –disse a mãe - Chamamos a polícia, os vizinhos, botamos anúncio no jornal e... – disse depois de uma pausinha encabulada – até o seu pai parou de beber e decidimos retomar o nosso namoro.

Aline entendeu tudo, deu um beijo no seu pai e na sua mãe e disse simplesmente:

- Estava escrito nas estrelas...

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